A história narra a invenção e a popularização dos carros como se tudo tivesse acontecido em um final de semana, de forma natural e sem dificuldades, mas a realidade levou muito mais tempo, lidou com desafios consistentes e exigiu mudanças culturais. Trocar o cavalo por um carro na garagem foi o resultado de esforços combinados e este roteiro está se repetindo agora, com a chegada do carro elétrico.
Carros elétricos não são uma novidade. Em 1900, Nova York tinha 60 táxis movidos a bateria. O assunto despertou atenção e até Ferdinand Porsche fez experimentos com a tecnologia no P1 e no Semper Vivus, o primeiro carro híbrido da história. E então veio o Ford T, um ícone da indústria automobilística que custava menos da metade de um carro elétrico. Isso, somado à descoberta de petróleo em larga escala nos Estados Unidos, fez com que a tecnologia desaparecesse das ruas em poucos anos.
A crise do petróleo de 1973 e o acordo ambiental Veículos Emissão Zero da Califórnia (EUA), de 1990, foram passagens que trouxeram os elétricos de volta. Nesse intervalo de 20 anos a movimentação foi tímida e ganhou um pouco de força no fim do século 20, com o Toyota Prius. Mas as coisas iriam mudar em 2006, com a vinda da Tesla, e ganhar ainda mais força em 2008, com a China jogando pesado (e com incentivos do governo) para se tornar menos dependente do petróleo. A partir daí o desenvolvimento de veículos elétricos se tornava um caminho sem volta.
É nesse momento que você diz: "Mas hoje, 15 anos depois, ter um elétrico na garagem ainda parece ficção!"
Lembra que comentamos que a mudança dos cavalos para os carros não aconteceu da noite para o dia? Abandonar os pré-históricos motores à combustão e espetar um carro elétrico na tomada cheio de orgulho é um novo capítulo da mesma história! Continue lendo, porque vamos mergulhar um pouco mais fundo...
AS PEDRAS NO CAMINHO DOS ELÉTRICOS
A morte do motor a combustão já tem data, pelo menos na Europa. O plano para tornar o transporte mais sustentável apresentado recentemente pela Comissão Europeia, prevê que, a partir de 2035, todos os carros novos vendidos nos países do bloco tenham propulsão elétrica. Até nos EUA há estados que vão aderir à proibição: Califórnia, Massachusetts e New Jersey, todos em 2035.
Já existe um acordo, mas ainda há muitos desafios. O primeiro deles envolve a indústria, que precisa se adaptar, mas isso já vem acontecendo há algum tempo. Em 2010, a Nissan apresentou o elétrico Leaf e a Chevrolet trouxe o híbrido Volt. Dois anos depois, foi a vez da Renault com o Zoe. Volvo e Jaguar são destaques em testes de autonomia de modelos elétricos. Os superesportivos não ficam para trás: o Porsche Taycan é um dos modelos mais vendidos da marca. O Ford Mustang Mach-E GT já está entre nós. A Ferrari vem com a SF90 Stradale. A lista vai além e hoje, há cerca de 330 modelos de veículos exclusivamente elétricos ou híbridos, que combinam bateria e motor tradicional.
Com carros elétricos saindo do forno de forma frenética, é preciso avançar na lista de desafios: bateria; rede de abastecimento; tempo de recarga e preço.
BATERIA - Embora o custo de produção tenha caído nos últimos anos (queda de 87% entre 2010 e 2019), ainda é caro produzir uma bateria. Este é um ponto fundamental, porque a bateria responde por cerca de 40% do preço final de um veículo. O curto prazo parece ser positivo, mas os principais componentes de uma bateria são Cobalto e Lítio, cuja oferta que hoje é abundante, pode ser bem menor em 15 anos, elevando os preços. Para deixar tudo ainda mais tenso, as reservas desses dois metais estão concentradas nas mãos de poucos países: 50% do cobalto está no Congo e 75% do lítio na Bolívia, Chile e Argentina. Hoje os elétricos puros respondem por 8% das vendas de carros na Europa (os híbridos já superam os 30% das vendas): mude este número para 100% e imagine o tamanho do problema que precisará ser resolvido. Ah, lembre-se que celulares, videogames e notebooks usam baterias similares.
REDE DE ABASTECIMENTO - A Alemanha, onde fica a sede da KOSTAL, é uma referência no uso da matriz elétrica para carros. Em julho deste ano, o país atingiu a marca de 1 milhão de carros eletrificados (elétricos e híbridos) em circulação. Os alemães fazem a festa quando o assunto é estação de carregamento: são 37.705 com recarga lenta e 6.395 com carga rápida distribuídas pelo país. Agora vamos voltar para o Brasil: quantas estações de carregamento você conhece? Na sua garagem, existem pontos de carregamento? Sua casa tem rede de 240 volts? Sem infraestrutura para carregamento, a disseminação dos elétricos é impossível e deve se restringir aos grandes centros urbanos. É um começo, mas longe do ideal para uma mudança em grande escala.
TEMPO DE RECARGA - A carga rápida é aquela onde 80% da bateria é recuperada em cerca de 30 minutos. Cargas completas são lentas e levam de 8 a 12 horas. Nos EUA, 1 em cada 5 proprietários de elétricos (20%) voltou para o motor a combustão devido ao tempo de recarga - vale destacar que as unidades de recarga ultrarrápida da Tesla disponíveis por lá, com 480Volts, carregam totalmente uma bateria em 1 hora. A questão é séria, complexa e é uma barreira considerável para que os elétricos sejam a base, mas vale destacar que uma nova tecnologia de bateria de recarga ultrarrápida (80% em 10 min) inédita na América Latina, desenvolvida com base em Nióbio (falaremos mais sobre esse material nas próximas publicações). O desenvolvimento nacional é fruto de uma pesquisa de 3 anos da montadora em conjunto com a Toshiba, e que será colocada em prática através de uma aliança entre duas importantes companhias, a VWCO (Volkswagen Caminhões e Ônibus) e a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração). O assunto foi amplamente divulgado na imprensa local em setembro e destacou que a estratégia visa inicialmente os veículos comerciais de grande porte da montadora. Também é fato que o Brasil, detentor de 98% da reserva conhecida de Nióbio no mundo, terá local de destaque na transição da mobilidade para os veículos elétricos. Há esperanças.
PREÇO - Para estimular a adoção da tecnologia, os EUA deram benefícios de até USD 7,500 para aqueles que se aventurassem na compra de um elétrico. Na Alemanha, o benefício poderia chegar a até EUR 9.000. A barreira do preço nestes países pôde ser contornada nas primeiras vendas, mas os benefícios parecem ser insustentáveis no futuro, com o aumento no volume de vendas. Quando não há incentivos, o investimento em um elétrico é uma barreira gigante para a adoção da nova tecnologia, por isso os números por aqui ainda são (muito) tímidos: em 2019 tivemos 559 unidades vendidas no país, em 2020 foram 857 emplacamentos. Apenas para referência, na China, que é o primeiro mercado automobilístico do mundo, com 25 milhões de carros vendidos em 2020, a venda de eletrificados (puros e híbridos) foi de 286.514 unidades... em agosto - no mesmo mês, foram vendidos cerca de 158 mil carros a combustão no Brasil.
EXISTE UM ELÉTRICO NO MEU FUTURO?
Certamente havia donos de cavalos em 1890 que duvidavam que essa maluquice chamada de carro iria dar certo. A história, no entanto, mostra duas verdades: a primeira, é que o avanço não pode ser detido e a segunda, é que quando todos unem forças em nome de um objetivo em comum é só uma questão de tempo até as coisas acontecerem.
Os consumidores estão curiosos sobre os elétricos. A mídia traz novidades continuamente. Cientistas avançam em pesquisas voltadas a melhorias em baterias. A eletrificação é assunto constante nos departamentos de engenharia de todas as montadoras. A produção aumenta continuamente e a variedade de opções já atende diferentes orçamentos para quem busca um elétrico. Há investimentos em infraestrutura e, quando possível, incentivos. Preocupações com o meio-ambiente são uma realidade presente na vida de todos e a busca por soluções mais saudáveis já é um estilo de vida para grande parte das pessoas. A combinação destes fatores cria um caminho altamente positivo para uma mudança cultural que leve à adoção generalizada dos veículos elétricos.
Com base em tudo isso, acreditamos que sim: você terá um carro elétrico no futuro. Pode preparar sua garagem!